Postal de Lisboa X - A Fonte Luminosa

Os lisboetas continuam a chamar-lhe Fonte Luminosa, embora eu já não me lembre da última vez que a vi iluminada ou a deitar água. Quando eu era pequenita, sim, recordo-me desta grande cascata de água a cair e até, por vezes, em alturas especiais, iluminada por holofotes de várias cores, que lhe davam um ar fantástico, em que os cavalos e as sereias navegavam no meio dos arco-íris. Ia jurar que ainda tenho fotografias minhas, a brincar no grande relvado fronteiro à Fonte Luminosa.


Depois do 25 de Abril, secou. Nas grandes manifestações que aí decorreram, na época da Revolução, já não me lembro de a ver com água.
A Fonte Luminosa foi construída em 1940; ainda lá tem a placa comemorativa da inauguração pelo presidente Óscar Carmona. Foi uma das obras emblemáticas do regime e ainda hoje é um bom exemplo daquilo a que chamamos, geralmente, a arquitectura do Estado Novo. As linhas direitas, as figuras monumentais, são típicas da época e dialogam na perfeição com o Instituto Superior Técnico, construído na mesma altura no lado oposto da Alameda Afonso Henriques.
A Fonte tem um ar abandonado e eu interrogo-me porquê. É por ser uma obra do Estado Novo? E então? Será preciso abandonar ou destruir as obras das épocas que nos antecederam, só porque já não nos revemos nos seus valores? Os cavalos monumentais e os baixos-relevos poderão já não estar na moda, mas devem continuar como testemunhos do passado. Haverá melhor maneira de celebrar o presente do que preservando as obras passadas e fazendo-as brilhar de novo?



Hoje, a zona da Fonte Luminosa tem como principais frequentadores os reformados da zona. Tendo em conta a evolução demográfica da cidade, e da sociedade em geral, parece-me pertinente colocar à disposição dos nossos seniores equipamentos diversificados, que lhes permitam manter-se activos. Aqui, sob as árvores, foram armadas umas quantas mesas com cadeiras à volta. Aí se disputam animadíssimos campeonatos de sueca e dominó. Há tantos jogadores como espectadores e todos discutem, com ar profissional, as jogadas e as cartas que vão sendo batidas sobre a mesa. O espaço está sempre cheio de gente, principalmente homens. Tornava-se, com certeza mais vivo ainda com o som da água a jorrar novamente da Fonte Luminosa que, estou certa, gostaria de voltar a ser fonte, mesmo que só episodicamente luminosa.


(Fotografias de Teresa Ferreira)

Comentários

  1. Quanta maravilha,Teresa! è muito bom ver tudo isso!beijos,tudo de bom,chica

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  2. Teresa, aqui no Brasil também desativaram muitas fontes luminosas. Agora, lendo seu texto, pergunto-me também: por que? Eram tão lindas... Abração!

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  3. é impressionante notar como a idéia de presenrvação de patrimônio está bem mais a frente aí em portugal do que aqui no Brasil...

    é sempre um prazer ver as fotos de seus blogs

    Shisuii

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  4. Não tenho a certeza se a ideia de preservação do património está mais à frente aqui. Pelos vistos, tanto se desactivam este tipo de monumentos cá como no Brasil. Já me disseram que tem a ver com o gasto de água. Mas há sistemas de água que são fechados e permitem reutilizar a mesma água. E basta andar pelas cidades espenholas para sentir como são agradáveis as fontes.
    Bjs aos comentadores.

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  5. Estou certo que a Fonte Luminosa gostaria de voltar a ser fonte! E mais, que a voltassem a iluminar. Ela e nós.
    As desculpas com os gastos de água e electricidade, são de mau pagador. A água porque pode circular em "pescadinha de rabo na boca", a electricidade porque...Bem, bastaria menos ostentação de quem nos governa e dirige empresas públicas para que sobrassem uns euros para pagar a conta luz.
    Assim se vai, tristemente, "secando" o país...
    Os seus óculos viram bem.
    Um abraço

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  6. Muito bem, Teresa!
    Seria de motivar as pessoas, no sentido de pressionarem as autoridades municipais, para a reactivação da Fonte.
    Que tal apadrinhar um abaixo-assinado para tal?
    É, de facto, uma pena que o nosso património nem sempere seja protegido.
    Um abraço.

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  7. Carlos
    Sim, estou certa que estas histórias de água e luz são trocados nas despesas da nossa autarquia lisboeta. E no entanto a fonte não deita um pingo. Acho mesmo que as razões são políticas, a identificação da fonte com o Estado Novo, mas é uma palermice.
    Abraços

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  8. Tony
    As pessoas não se motivam por estas coisas, como sabe. Se tivesse a ver com futebol, ou centros comerciais, talvez.
    Abraços.

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  9. Que bela viagem por esta palavras. mais uma.
    obrigada, Teresa.

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